Ontem, segunda-feira (21), entrei
em casa pela porta dos fundos. Spike estava lá na frente, ansioso, rígido, no
máximo da concentração, olhando para o lado oposto, porque meu pai havia saído – meu pai é o grande Deus pra ele, já eu não sou tão querido assim.
Cheguei bem próximo a ele, que
estava com aquele rabo sempre riste em minha direção. Spike me veria e me
cumprimentaria como se deve: aquele balançar de rabo (não tão forte como ele
faz quando é com meu pai), um pulo com as duas
patas nas minhas coxas, sendo retribuído com um afago na cabeça. Bati com os pés
no chão, para que me ouvisse. Spike não se mexeu, os olhos encarando a porta.
Bati com os pés outras duas, três vezes. Já me bateu um aperto no peito.
Chamei o cachorro pelo nome,
aproximei-me. Finalmente ele virou o rosto e me viu. Ainda não sei dizer se ele
foi atraído por alguns dos meus sinais ou apenas olhava despretensiosamente.
Não mostrou constrangimento, veio até mim, rabo a balançar, afago na cabeça.
Por muito tempo eu tentei negar,
mas Spike está ficando velho. Spike está ficando surdo. Eu já notava alguns
sinais. Quando eu arremessava algum aperitivo que fosse – uma pipoca, por
exemplo -, ele já não se guiava pelo som de onde a comida havia caído, apenas
ficava cheirando o cômodo todo até que a tal pipoca aparecesse embaixo das suas
narinas. Já havia acontecido dele não notar minha chegada até ter me visto.
Spike está ficando velho e eu estava
negando. Até tê-lo visto não me ver enquanto eu praticamente sapateava logo
atrás. Que aperto no peito! Diz minha mãe que ele está ficando cego. Os olhos do
animal parecem estar ficando brancos mesmo. Uma ferida em seu rabo não permite
que o pelo cresça no local, e penso que se ele estivesse mais saudável já
estaria cicatrizado. Há pelos brancos espalhados entre o pelo negro, alguns
perto dos olhos, dando ar de velho. Às vezes ele me cumprimenta bastante
desmotivado, não sei se por um desgaste que vem sentindo recentemente ou o fato
já citado dele não me admirar tanto assim.
Como deve estar sendo a
experiência? O quanto ele está ouvindo? Por que Spike não está desesperado? Por
que ele continua tão tranquilizador, andando despretensiosamente pela casa? Pedi
a minha mãe que procurasse algum veterinário conhecido. Semana que vem meu
cachorro deve ser avaliado. Teremos um especialista carimbando que Spike está
ficando velho e eu não sei como vou lidar. Talvez ele devesse compartilhar do
meu desespero e não ficar caminhando despretensiosamente pela casa. “Isso me dá
um aperto, Spike”, eu digo quando ele está olhando pra mim, mas não sei se ele
me ouve.